Crescimento da cabotagem: O mar como rodovia

Cabotagem tem registrado altas consecutivas, mas taxação do combustível e burocracias ainda são entraves; governo federal prepara programa de incentivo ao setor.

Quando falamos de transporte de cargas em um país com um território gigantesco como o Brasil, é preciso pensar em vantagens e eficiências logísticas. Nesse sentido, a cabotagem vem pedindo passagem. O estudo “Conjuntura do Transporte – Desempenho do Setor”, divulgado recentemente pela CNT, mostra que o segmento registrou crescimento de 38,2% no segundo semestre de 2018. Entre 2017 e 2018, houve um aumento de 16,7% no volume anual transportado entre os portos da costa brasileira, segundo dados do Syndarma (Sindicato Nacional das Empresas de Navegação Marítima). No ano passado, foram movimentados 592 mil TEUs (unidade de medida de contêineres).

Mesmo com números expressivos e um enorme potencial de expansão, a navegação de cabotagem encontra entraves para o desenvolvimento. No centro do impasse, três questões são principais. “O combustível é um problema crônico que já vem desde 1997. Além disso, temos impostos sobre a importação de navios. Empresas estrangeiras acabam sendo mais competitivas que as brasileiras por conta das vantagens existentes, como a questão do combustível sem ICMS e a questão trabalhista”, afirma o vice-presidente executivo da Abac (Associação Brasileira de Armadores de Cabotagem), Luis Resano. Para ele, é urgente a adoção de medidas que reduzam os custos operacionais das empresas de cabotagem no Brasil.

Por acordos internacionais, os navios estrangeiros que navegam no Brasil não pagam impostos sobre os combustíveis e também não precisam cumprir as mesmas regras trabalhistas e ambientais que as empresas brasileiras cumprem. Enquanto no Brasil uma equipe no navio trabalha seis meses por ano, um estrangeiro pode trabalhar 12 meses. Um relatório do TCU (Tribunal de Contas da União) lembra que a lei n.º 9.432/97 versa que o país deve dar tratamento isonômico a` navegação de cabotagem em relação aos navios de longo curso. A lei ainda define que a cabotagem só pode ser feita por empresas e navios nacionais, enquanto a navegação de longo curso e´ aberta a empresas e navios estrangeiros.

Para destravar as questões relativas aos combustíveis e à legislação, o governo federal estuda modificações na legislação que rege o setor. “A estrutura do mercado de cabotagem no Brasil precisa ser alterada. Hoje, temos uma busca pelas empresas de otimização do uso de embarcação por afretamento (com bandeira estrangeira). Se isso acontece é porque existe uma necessidade de investimentos em bandeira brasileira para que as empresas possam atuar de uma forma consolidada. Para isso, é preciso mudar a lei para darmos maior flexibilidade para uso dos afretamentos. Devemos facilitar a entrada de empresas estrangeiras, mantendo a relevância das empresas brasileiras”, afirma o diretor do departamento de navegação de hidrovias da Secretaria Nacional de Portos e Transportes Aquaviários, do Ministério da Infraestrutura, Dino Antunes.

De acordo com ele, o governo federal trabalha na elaboração de um programa de incentivos à cabotagem. Batizado de BR no Mar, o pacote deve ser lançado até o fim do ano e está sendo estruturado com base em estudos e demandas de players do mercado. “Fizemos uma avaliação da cabotagem por meio de vários estudos que convergiram para uma agenda comum com o que o mercado necessita”, explica o diretor.

Na pauta do programa, estão: maior transparência na cobrança das taxas de praticagem, previsão para igualar o valor dos combustíveis ao que é pago pela navegação de longo curso e redução da burocracia na operação de navios que operam na costa brasileira.

Antunes ainda fala que, para diminuir a burocracia, dentro da mudança na lei, está prevista uma maior autonomia para a Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários). “Iremos propor que a agência possa fazer autorizações especiais de terminais. Com isso, sinalizamos que daremos a autorização por um prazo menor para que a empresa possa testar o mercado. Isso está atrelado a uma nova política para que essa empresa possa afretar uma embarcação sem ter o lastro em tonelagem própria (hoje, para uma empresa afretar uma embarcação estrangeira, precisa ter uma frota própria). Com a mudança, permitiremos que a empresa tenha a autorização especial no terminal, ou seja, autorização para trazer uma embarcação sem lastro em tonelagem, para que ela possa entrar no mercado sem perder o timing”.

Reflexo nos portos

O crescimento da cabotagem brasileira tem refletido também nas operações portuárias brasileiras. Hoje, portos como os de Manaus (AM), Rio Grande (RS), Santos (SP), Fortaleza (CE) e Salvador (BA) se destacam no segmento.

Números da Antaq mostram que a carga conteinerizada, que vem puxando a fila do crescimento da modalidade, já soma 12% do mercado, sendo que 34% saíram dos portos privados; e 66%, dos públicos. Enquanto isso, as cargas gerais somaram 6% do volume da cabotagem, com 81% sendo levado pelos portos privados; e 19%, pelos públicos, o que mostra uma movimentação do mercado.

No porto de Santos, que fechou 2018 com mais de 16 milhões de toneladas transportadas na cabotagem, o incentivo à navegação de cabotagem passa, necessariamente, por um projeto do governo por envolver outros terminais do sistema portuário nacional. E a expectativa para 2019 é ainda maior. “A projeção estatística é que a movimentação em toneladas da cabotagem tenha crescimento de 3,26% em relação a 2018, com a expectativa de alcançar 16,78 milhões”, afirma nota enviada à reportagem da CNT Transporte Atual.

De acordo com Dino Antunes, do Ministério da Infraestrutura, o governo federal também trabalha em ações que possam incrementar ainda mais os resultados. “Isso é parte da agenda de infraestrutura. A cabotagem precisa de portos prontos para receber a modalidade. Já estamos trabalhando em uma agenda portuária que envolve arrendamentos, aditivos em contratos já existentes, que trarão investimentos e também nas autorizações de novos TUPs (terminais de uso privado)”, finaliza o diretor.

Fonte:  Agência CNT de Notícias – 16/08/2019 

Foto: CNT